domingo, 27 de março de 2011

Grafitti

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Gostemos ou não deste tipo de arte de rua, achemos ou não que ela tem um espaço e uma função próprias. Mas esta arte, como outras, significam sempre alguma coisa.

Há poucos dias recebemos uma fotografia tirada na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa, que deixamos aqui (ou aqui em tamanho completo):

Fotografia de Ângela C. Almeida


O poliamor está na rua. E olhem para os vários elementos da imagem: a cor escolhida (cor-de-rosa); o coração preenchido ao invés de apenas delineado; por fim, um pormenor especialmente delicioso - o poliamor vivido por uma tríade de mulheres, que parece remeter para algumas das origens avant la lettre do poliamor, que une tão belamente dois tópicos já de si profundamente associados (questões LGBTQI e poliamorosas).

Mais do que programas de televisão, rádio, entrevistas e jornais - este acto irá alargar o número de pessoas que alguma vez leram esta palavra. Irá tirar, todos os dias, para milhares, o substantivo da ignorância e do silêncio. Cabe a quem o vir, depois, usar e usurpar a palavra, descobri-la e inventá-la.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Poliamor, mas só fora de CASA

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Manuel Damas é sexólogo (de uma faculdade de medicina, um caso acabado da scientia sexualis de que fala Michel Foucault) e, como se pode ver na sua página do Facebook, acusa os Portugueses de serem "analfabetos sexuais... e emocionais". É também o director do CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos. Este centro surge "com o intuito de denunciar todas as formas de discriminação e, acima de tudo, de lutar pela Universalidade do Direito à Felicidade", constando da sua Carta de Intenções "combater todos os actos discriminatórios".

sexta-feira, 18 de março de 2011

Interface

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Há uma coisa que me foi sendo incutida ao longo da minha breve experiência dentro do mundo da academia: o pensamento mais frutuoso não é aquele que se concentra sobre as continuidades, mas sobre as descontinuidades. Talvez essa seja uma diferença importante entre as Ciências ditas exactas e as Ciências Sociais e Humanas: a procura da tipificação (das continuidades) da primeira leva à criação de grandes sistemas teóricos; a procura das descontinuidades, das ligações e desligamentos leva à criação de grandes sistemas teóricos na segunda.

O começo de uma nova relação (ou da modificação dos termos de uma relação pré-existente) - algo que pode ser tão simples como um sim dito num café, numa resposta de reconhecimento e anuência de algo que parecia já prenunciar-se - traz consigo, antes de novas continuidades, a inauguração de uma ruptura, de uma mudança, de um interface. Não deixa de ser curioso: estou a escrever sobre poliamor, e a lembrar-me simultaneamente de uma aula que dei sobre o conceito de cyborg, onde insistia que a importância estava no interface, naquele espaço aparentemente vazio (mas não realmente vazio) onde não habita nem a tecnologia nem a biologia, precisamente porque é a zona de cruzamento e confluência entre as duas coisas, e não alguma delas ou sequer ambas. Esta ruptura, esta mudança é, numa relação poliamorosa que não esteja associada ao modelo 'don't ask, don't tell', vertical. Vertical no sentido em que, ao se iniciar primordialmente nessa relação que começa ou muda, espalha-se a todas as relações, impõe um ponto de corte sobre tudo o que está à sua volta. Aquela relação surge não apenas como momento paradigmático (por minúsculo ou até invisível que esse paradigma possa ser) para as pessoas directamente envolvidas, mas também para todas as outras à volta, que se relacionam com essas pessoas centrais.

Isto quer dizer que o princípio de uma nova relação, ou a alteração de uma relação existente, vai fazer parte da cronologia de todas as relações, vai implicar mudanças em todas as relações. Aquela ideia, que às vezes nos sentimos tentadxs a usar («não te preocupes, vai ficar tudo exactamente igual») é fundamentalmente impossível de ser verdade. Mas se há um elemento que inicia esse corte, ao iniciar uma nova relação ou modificar uma relação existente, não é apenas a esse elemento que pertence a responsabilidade do que se processa ao longo dessa linha de corte, especialmente no que diz respeito à intersecção entre essa linha de corte e as linhas das outras relações. Essa linha, ou essa zona, é a instauração da possibilidade de interface: de um ponto de conexão (de [re-]criação de sentido) entre o antes e o depois dessa linha. E o que está em jogo é a forma que esse interface adopta. Na medida em que uma relação existe entre pelo menos duas pessoas, ambas as pessoas são responsáveis pela forma como irão realizar esse acto de interface. Longe disto está, por exemplo, essa outra (distante) pessoa com quem a tal nova relação foi começada. Se essa pessoa pode parecer, ficticiamente, o nexo de origem, na verdade ela não é mais do que um nódulo possível de entre outros, uma coordenada para o desenhar desse espaço de interface.

E aqui, como é que cada pessoa ajuda a desenhar esse espaço de conexão? Como se realiza a ponte entre um antes e um depois desses eventos? À base do medo, da insegurança, da fragilidade, da dependência? É, sem dúvida, a via mais automatizada para responder, fruto de anos ou décadas de condicionamento, fruto de um contexto social que privilegia a aceitação acrítica do paradigma mono-amoroso, mesmo no meio da mais espampanante hipocrisia. Mas que tipo de interface é este? Não será esta uma forma de bloquear a criação de um espaço de interface? Não será esta uma forma de deixar cair as várias ligações que se podem manter e estabelecer dentro da própria área do interface? Há aqui o fantasma da 'crise', também. Da crise nas relações existentes quando a nova relação surge. Mas não será esta noção de crise (que nos aponta para um algo que temos que ultrapassar) uma forma de bloquear o pensar do momento em si? Do interface em si como ponto de acção, inter-acção, alteridade, transformação?

Deixo um apelo a que se pense a mudança-em-si-mesma, ao invés de nos concentrarmos num antes e num depois, numa comparação que elide, como se de algo unidimensional se tratasse, o processo da ruptura.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Tenho andado à rasca...

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Há semanas que não punha as teclas neste blog, mas se começasse a explicar porquê, provavelmente teria matéria para vários posts. E não falta quem me diga que faça isso precisamente, de modo que... cá vai uma tentativa de muro de lamentações.
A nossa família poly perdeu um membro. O que nos levantou, entre outras questões, a de encontrar outra(s) pessoa(s) para poder manter a casa. Fizemos um par de "propostas de casamento", recebidas com muito entusiasmo e honra. Mas depois de alguma ponderação, a resposta de ambos os lados foi a mesma e pode ser resumida nesta frase: "Não dá, estamos à rasca".
Tenho sempre algumas dúvidas sobre fazer deste blog uma coisa demasiado política, por mais que me digam que "o pessoal é político". Mas a verdade é que a situação em que estamos todos me influencia diariamente. Não só a vontade de escrever, mas também o ânimo de ir trabalhar, a libido e a disponibilidade para cozinhar, "a paz, o pão, habitação, saúde, educação. Só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir."
Não é por acaso que aqui se escreve menos ou há ainda poucas pessoas nos nossos encontros, apesar da divulgação na imprensa ter sido nos últimos tempos maior e mais constante do que nunca. As pessoas andam à rasca. Isso vê-se no trânsito, na fila do banco e nos bancos das escolas. Os níveis de stress e angústia atingem uma escala que não me recordo de ver. E com os problemas diários que se acumulam e agigantam, não será surpreendente que as pessoas não tenham vontade de questionar instituições como a monogamia.
A liberdade existe na teoria, mas faltam os meios. Falta a visão a longo prazo, impossibilitada pela precariedade. Eu, como quase todas as pessoas que conheço da minha geração, sou precária e mal paga. Mas só por mais uns meses, até voltar ao desemprego.
Acredito que isto se passe um pouco por tudo o que é forum e grupo de coisas "idealistas". O tempo não está para os sonhadores, dirão alguns. E por um lado têm razão. Mas queixarmo-nos para nós próprios e para o vizinho do lado não tem nenhum resultado a não ser chatear e desanimar ambos.
A manifestação que está marcada para o próximo dia 12 também não terá grande resutado prático. O governo não vai cair. Para isso seriam precisos milhões nas ruas em vez de escassos milhares. Seria preciso acreditar que há na calha uma alternativa melhor, quando na verdade o que se deve questionar é todo o sistema político e econónimo. Mas isso leva tempo, dá trabalho. E levantar os olhos do próprio umbigo, parecendo que não... ainda faz suar um bocadinho.
Normalmente não acredito em greves que não sejam de zelo e parecem-me as manifestações uma coisa em muitos aspectos ultrapassada. E no entanto lá estarei no Sábado. Não por acreditar que a minha presença vai acabar com a crise e as injustiças. Mas por me recusar a ser espezinhada em silêncio e ainda agradecer. Vou lá estar para olhar nos olhos todas as pessoas que, como eu, estão à rasca, umas ainda mais do que outras. A geração a quem se prometeu tudo e que assiste estupefacta ao(s) rato(s) que da montanha nascem.
Se não servir para mais nada, que sirva de terapia de grupo, para dizermos uns ao outros que não estamos sós, que não desistimos e não somos estúpidos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Uma palavra com histórias

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Deixo-vos aqui um pequeno ensaio meu, publicado na revista académica Interact, do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem, sobre as histórias por detrás do surgimento da palavra poliamor.

Que sirva a todxs xs académicxs que por aí andam...